Falador passa Mal

- Ô, rapá! Há quanto tempo!!!!

- Relativamente.

- Tudo bem com você?

- Levando, e você?

- Casei, troquei de casa e carro. Tudo ao mesmo tempo. Eh, eh, eh. E você?

- Na luta. Tá com fome?

- Por que?

- Tô a fim de comer uma coxinha de galinha ali no chinês.

- Vamos nessa. Aliás, estive na Argentina e comi um negócio fantástico. Lembra coxinha de galinha, mas não é. Paguei uns 30 paus.

- A vida está barata na Argentina.

- Mas eu estava em Bariloche, com mulher, sogra, uns amigos, e lá é tudo muito caro. Quantas vezes você já foi a Bariloche?

- Nenhuma, mas dizem que é interessante. “Meu amigo, uma coxinha pra mim, por favor”.

- “Pra mim são três....isso desce três e um caldo de cana.” Mas o que você tem feito?

- Trabalhado e, de vez em quando, vou a praia.

- Eh, eh, eh, você é engraçado. Por falar em praia quase estive no Taiti.

- Quase?

- Rapá, quando o avião decolou do Chile para fazer a penúltima perna, deu um problema lá, quase morreu todo mundo.

- Pane no avião?

- Nada, comida envenenada. Fiquei três dias no hospital, minha mulher também. Acho que, no fundo, no fundo, foi inveja do meu cunhado.

- Como assim?

- Cada vez que eu falava na viagem, ele ficava meio esverdeado...eu via que ele estava com inveja, e aí eu falava mais ainda. Eh, eh, eh.

- Entendi.

- Entendeu nada! Minha mulher fica emputecida quando eu digo que o irmão dela jogou uruca em nossa viagem. Você acredita nisso?

- Não sei.

- Como, não sabe?

- Não sei mesmo, sinceramente. Mas na história da civilização nunca ouvi falar de um mudo que tenha sido enforcado, queimado, fuzilado. Só dá falador.

- Como assim?

- Nada...estava num devaneio.

- Essa coxinha é uma delícia, hein? Só vai de uma?

- Só uma.

- E os filhos?

- Tudo indo, caminhando.

- Eu estou com um de 27 e um de 12. O de 27 vai morar na Europa, quer fazer pós-graduação em engenharia de produção na Alemanha. Esse vai longe. E o de 12 vai ser o campeão estadual de surfe deste ano, você vai ver.

- Que beleza.

- Seus filhos fazem o que?

- Rapá, nem se eu tivesse uma bola de cristal ia descobrir o que aqueles três estão aprontando.

- Três?

- É, dois meninos e uma menina.

- Moram com você?

- Moram. Tem visto Jacy?

- Encontrei com ele há uns meses, completamente bêbado.

- Você continua fofoqueiro, eh, eh, eh.

- Continuo. Eh, eh, eh. Vamos nessa?

- Não, vou ficar por aqui.

- Como assim? Vai perder o avião?

- Vou.

- Por que?

- Não sei. Deu vontade.

- Aqui, meu cartão. Me liga pra você ir lá em casa tomar um banho de piscina com a galera. Vou reunir uns amigos.

- Ligo sim.

- Abração.

- Abração.

“O Jornal Federal informa em edição extraordinária. O voo XXXX, que vinha de Porto Alegre para o Rio, sumiu dos radares das torres de controle”.


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