Receita para uma rádio de rock
Montar uma
emissora de rock é um pouco mais complicado do que ter uma meia dúzia de bons
discos em casa, prontos para serem arremessados de um transmissor qualquer de
um morro desses aí.
Fazer uma
estação de rock envolve, basicamente, conhecimento, intuição e técnicas em
doses aritméticas. Não adianta abraçar um desses elementos sem os outros. Só
conhecimento musical não define se esta voz é melhor do que aquela para
apresentar um programa. A intuição, por si só, provoca tolices e conduz à
asneira, enquanto que a técnica pura e simples, burocratiza até a mais tênue
estupidez. Uma rádio de rock que se preze não possui o chamado
"listão", o que significa programação permanentemente renovada e
dinâmica.
No Brasil, uma
terra onde os conceitos sobre rock vão de um pólo ao outro como se tivessem ido
a esquina comprar cigarros, é muito mais complicado mexer no vespeiro. De cara,
o mercado tem muito medo do rock, muito mesmo. A causa aparente é simples: rock
exige conhecimento de causa e não só de números. O sujeito que está lá
programando a última faixa do lado B de um disco afegão tem de demonstrar
firmeza e segurança, enquanto que no outro lado do mundo o publicitário
responsável pela distribuição de uma determinada verba deve entender de
comportamento, música e excentricidades em geral para enfiar a tal emissora nos
planos.
Normalmente
batido pela preguiça, ele desloca a verba para uma emissora de perfil mais
fácil, mesmo que o retorno seja comprovadamente menor. É incrível, mas há
produtos no mercado com nomes extraídos do rock que não são anunciados em rádio
de rock. É incrível e muito triste.
Murros em ponta
de faca estão no cardápio diário do profissional de uma estação de rock. Ele
tem de conviver com uma gama enorme de misturas de ritmos e tendências musicais
e uma certa histeria internacional dos ouvintes.
Os ouvintes formam feudos e
ilhotas e defendem aquilo como se fossem cisternas no Saara. Quando não ouvem
um metaleiro, um vanguardeiro, um sulisteiro (do rock sulista), telefonam,
escrevem, caem de pau. Como é impossível atender a todo o reinado, a pancadaria
reina.
Reina infinita e
bela, pois o mais espetacular de uma estação de rock é a resposta de seus
ouvintes. Eles reclamam de pronúncia errada, faixa trocada, hora misturada, mas
estão sempre ali, cravados no dial, participando. Acima de tudo, conhecem cada
milímetro do que estão ouvindo e são incapazes de engolir qualquer tipo de
forçação de barra, parta de onde partir.
As compensações
são muitas e dão de mil a zero nas dificuldades. Especialmente porque quem faz
rádio de rock sabe que está lidando com uma música que pulsa sem precisar dizer
que pulsa e com uma audiência que detesta firulas, abomina a mediocridade de um
linguajar bordado de gírias forçadas e não tolera que ninguém diga
"dance", "pule", "ei, que festa, isso tudo é rock'n
roll". A audiência quer uma rádio bem feita. Rápida, objetiva, simples,
sem essa de "eu sou mais eu, porque sei que David Bowie já foi um
andrógino e você, não". E o maior segredo de quem faz uma rádio de rock
não é deter a maior discoteca do mundo, mas saber conjugar matéria industrial
com pensamento, idéia.
Se mexer com
rock já é bom, lidar com rádio de rock é melhor ainda. A impressão que temos ao
colocar uma música no ar é de que nossas emoções estão sendo democraticamente
divididas entre pessoas altamente intuitivas. O feedback é cheio de malícia e a
grande vedete nesse tipo de emissora é e sempre será a música. Exemplo: a Eldo
Pop, do Rio, já extinta, ficou no ar durante alguns anos sem locução. Os
ouvintes tinham de partir para exercícios de pesquisa intermináveis para
saberem o que estavam ouvindo.
Sem vedetismos uma rádio de rock não surge, chega; não morre,
some. Ela lida com um gênero artístico forte, que mistura um monte de situações
que transcendem a música, seguindo a trilha do rock. Ela deve chutar os
modismos, procurar não opinar e tentar, sempre, não se defender com falsas
delongas. Enfim, fazer uma rádio de rock está diretamente ligado ao bom senso
profissional. Profissional com "P" maiúsculo.
Comentários
Postar um comentário
Opinião não é palavrão. A sua é fundamental para este blog.
A Comunicação é uma via de mão dupla.