Vale à pena pegar “Na Estrada” nas locadoras



Está nas boas locadoras de DVD e Blu Ray o corajoso filme “Na Estrada”, de Walter Salles. O diretor e eu nos cruzamos duas ou três vezes em madrugadas de 1987 na saudosa Rede Manchete de TV. Não chegamos a conversar. Eu estava na CPP 1 (Central de Pós Produção) finalizando um documentário sobre Jimi Hendrix e ele na 2 terminando a série “China, o Império do Centro”.

Seu filme “Na Estrada”, adaptação do clássico beat “On The Road”, de Jack Kerouac é muito bom. Li este livro três vezes, a primeira com 17 para 18 anos, a segunda aos 30 mais ou menos e a terceira há uns três meses atrás. A segunda vez, li porque na época estava fazendo análise existencialista e, a meu ver, “On The Road” tem uma pegada existencialista em sua essência. Ou seja, apesar do chamado “caos necessário”, dos necessários dilemas, das necessárias angústias, do necessário viver intensa e irresponsavelmente, fundamental ignorar qualquer manual de funcionamento social. “On The Road” me fez sonhar em me tornar um irresponsável que a sociedade certamente carimbaria de anarquista, andando pelas estradas sem vínculos mais profundos com pessoas, cidades, culturas. Acabei me tornando um bom samaritano. Faltou coragem, matéria prima que sobra em “On The Road”.

Com exceção da questão das drogas (nunca me atraíram) e da opção sexual de alguns personagens, eu queria, sim, ser um beatnik e fazer o que bem entendesse. Meu analista  dizia que a essência do existencialismo está no fato de anularmos o passado e o futuro para vivermos de forma drástica e fundamental somente o presente. E me disse para ler dois livros: “On The Road” e “O Estrangeiro”, de Albert Camus, uma espécie de segundo pai do existencialismo europeu. Rachado com Jean Paul Sartre ele acabou navegando por mares mais turbulentos mas, em determinado ponto, vacilou e foi tomado pelo horror a vida, nos anos 1950, como parece deixar claro em “Diário de Viagem”. Foi quando joguei a toalha e também Camus e o seu arrego pela janela. Mais: um dia cheguei ao consultório para uma sessão e o psicanalista me comunicou, formalmente, que não trabalharia mais na linha existencialista, optando por Lacan. Foi a minha vez de cair fora.

Também desisti do existencialismo e segui em frente com outro terapeuta, prosseguindo a análise com base em Carl G. Jung. Mas, a semente quem plantou  foi “On The Road”. Por isso, há uns três ou quatro anos quando ouvi falar que Walter Salles iria adaptar o livro para o Cinema fiquei, ao mesmo tempo, empolgado e temeroso. A meu ver, “On The Road” era de impossível adaptação, a não ser que o diretor optasse por deturpar e acabar derrubando a obra. Assisto ao filme duas vezes, em DVD porque quando foi lançado não achei um cinema para assisti-lo. A distribuição foi lamentável. Mas Walter matou a pau. Infelizmente o título é “Na Estrada”. Se ele mantivesse “On The Road” com certeza iria atrair muito mais gente.


Posso dizer que o filme já está entre os melhores que assisti na vida e, modéstia a parte, não consumo pouco cinema. A construção dos personagens de Kerouac está perfeita, os atores dão um show, as locações brilhantes e a trilha sonora é exatamente o descabelante bebop jazz citado no livro, frequente na virada dos anos 40 para 50. Achei um ato de coragem sublime do diretor encarar esse desafio porque não é fácil filmar afetos, crises existenciais, desolação e até uma certa esperança em estado bruto emanados por um livro exaustivamente cultuado até hoje, apesar de lançado em 1951. 

Ah, sim, vou comprar o DVD do filme que irei assistir de vez em quando. Afinal, no meio da imbecilização que reina por aí, seu “Na Estrada” é um oásis.

Aqui, o trailer do filme. Clique:



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