O jornalismo e o mundo cão

                           
                                                         
Trabalho na mídia há mais de 40 anos. Comecei muito novo e de cara quase desisti quando um de meus chefes me mandou fazer uma reportagem tipicamente mundo cão. Puro sangue, desgraça, tragédia, tpo um homem que matou a mulher a machadadas. Saí para fazer a tal matéria mas, na verdade, peguei um ônibus, a barca e voltei para casa. Escrevi uma carta para o chefe comunicando que havia jogado a toalha, que não era esse tipo de jornalismo que estava em minhas intenções e, por isso, voltei a estudar com a cabeça voltada para a medicina.

O que eu não esperava é que o tal chefe ligaria para a minha casa querendo conversar. Na minha família ninguém sabia que eu estava pulando a cerca, me enroscando com mídia, jornais, rádios e por isso dei sorte de atender o telefone. O chefe queria conversar. Fui lá na redação e voltei a trabalhar, mas na editoria de cidade, mais tarde cultura, mas, logicamente, sempre que acontecia uma tragédia monumental todo mundo entrava na história. Cobri várias. Várias.

Por isso fiquei mobilizado quando assisti na TV Globo um boletim ao vivo do colega Márcio Gomes, direto das Filipinas. Quando ele disse que estava faltando água e comida também para jornalistas, quase liguei para Cezar Motta, amigo e ex-colega (foi meu chefe na Rádio JB AM, lendária, nos anos 70) porque o Marcio estava descrevendo uma situação que a maioria de nós já viveu: é quando o narrador vira personagem.

A barra é muitíssimo pesada em situações como a das Filipinas, da tragédia das serras aqui no Estado do Rio há três anos, enfim, a cara do monstro é hedionda. Você fica andando entre corpos, escombros, na esperança de poder dar uma boa notícia, mas nada (ou pouco) acontece. E a situação só piora, só se agrava, os saques, os crimes paralelos, as noites “dormidas” em cima de papelão e o desespero que transforma todos em saqueadores já que a fome de sobrevivência é maior e muito mais avassaladora do que conceitos éticos.

O estranho é uma sensação que bate na gente de querer estar lá, mesmo em condições sub-humanas para exercer o jornalismo. Quando o Japão viveu aquele tisunami (a usina de Fukushima quase acabou com o Japão), o colega Roberto Kovalick também passou o maior sufoco, com a diferença de não estar cercado por milhares de esfomeados dispostos a, literalmente, come-lo vivo em prol da sobrevivência.

Esse tipo de jornalismo é limpo, necessário, útil. Nada a ver com o mundo cão. Esse tipo de jornalismo ajuda, controla a fome de algumas autoridades que só pensam em garfar verbas internacionais, enfim, é uma atividade brilhante. Márcio Gomes está de parabéns porque (ele sabe disso), por sua experiência, sabe que está prestando um serviço e não sabe se estará vivo meia hora depois. É isso aí.


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