Verão, estação de uma baranga chamada sensação térmica

                           
                                                         
Óleo sobre tela "Verão Carioca" de Christine Drummond

Texto restaurado e remixado

O verão oficial entrou em cena. Mais uma estação pirata no Brasil que abriga no calendário apenas duas estações: quente e muito quente. Eventualmente, no inverno, dá uma esfriada, o cheiro de naftalina dos casacos ganha as ruas, mas é muito breve e rápido. Nosso negócio é com o suor e ar condicionado e não com lareiras e cachecóis.

Todo mundo reclama do calor, mas o verão é adorado. Sempre foi. Até os últimos, quando as temperaturas passaram de 40 graus e os meios de Comunicação importaram dos Estados Unidos uma baranga chamada sensação térmica. Cheguei a ler nos jornais que no último verão a tal da sensação térmica bateu os 50 graus algumas vezes. Dei um Google ver como se mede a tal sensação, mas ao constatar que é uma equação de eficácia duvidosa, chutei pro alto.

Verão tem a seu favor algumas datas cruciais: Natal, Ano Novo e Carnaval. Daí a lenda de que o país entra em férias em dezembro e só volta a trabalhar na segunda-feira depois da quarta de cinzas. Mentira. Quer dizer (olha a elegância, rapá!), não é verdade. Brasileiro trabalha pra cacete. Em alguns países europeus como a Espanha, há 30% mais feriados (fora o ronco diário depois do almoço) do que aqui.

Verão é aeroporto de mitos. No topo da lista as praias do Rio. Durante séculos cariocas sacanearam paulistanos por causa de praias que, diziam, nós temos e os paulistanos não. Ouso informar que praia no verão carioca é virtual. Superlotadas, tomadas de flanelinhas, camada de ozônio furada, cachorros largando barro na areia, poucos são loucos de se aventurarem a um mergulho em Ipanema, Leblon ou na eterna Princesinha do Mar, minha amada Copacabana e seu amante inseparável, o Leme.

Como hoje todo mundo tem carro, milhões se deslocam de todos os pontos rumo as praias. Estimulados pela propaganda maciça de cerveja na internet, TV, jornais, rádios, revistas, enchem a cara. Muitos brigam. Mal intencionados fazem arrastões e num domingo apenas 20% conseguem curtir a chamada “praiana” sem se aporrinhar.

Em suma, na boa, sem provocações, os paulistanos são veranistas mais felizes porque, na certeza de que não tem praias, inventam piscinas, vão as represas, partem para dentro dos cinemas. É hora da revanche. Quem já passou um fim de semana em São Paulo (capital) sabe do que falo. Passei vários, quando trabalhei no Estadão e o que mais fiz foi me divertir, relaxar, ir a dezenas e dezenas de piscinas, cinemas, parques.

O penúltimo verão foi palco de um horror na região serrana do Estado do Rio. Aos que dizem que “aquilo já era esperado por causa da profusão de favelas”, peço um humilde peraí. Conheço a fundo a Serra dos Órgãos e, subindo para Teresópolis meses depois do dilúvio dava para ver dezenas de barreiras que formavam línguas de barro em áreas de vegetação nativa. Mas, é claro que a favelização (de ricos também) das encostas agravou mais. Fora isso, o péssimo hábito de construir em beira de riachinho romântico, saído de historinha tipo Alice no País das Maravilhas, que quando bate um toró de verão vira rio asfixiado que sai do leito detonando tudo e todos pela frente.

Verão lança modas. No último notei que muitas mulheres usavam calça jeans com uma espécie de saco na região, digamos, genital. Um copo de éter em qualquer libido. Como já escrevi aqui na coluna, depois da calcinha e do seu primo próximo, o biquíni de lacinho, calça jeans feminina é o que existe de mais sensual, mas os fazedores de moda puseram esse saco embaixo do zíper e deu no que deu.

Como em todo verão, meus colegas de grosso calibre saíram de férias. Jornais e revistas infestados de interinos, o que irritou muita gente. É no verão que as concessionárias de luz gozam com as contas astronômicas (des) graças o uso de ar condicionado. Cheguei a entrevistar um engenheiro que garantiu que quanto mais novo é o aparelho menos luz ele consome.

Só que é no verão que o desgoverno autoriza os aumentos de tarifas e nós, talvez por estarmos trôpegos de calor, nada fazemos. A última manifestação saudável de protesto contra a má qualidade de serviços foi em Piratininga, Niterói, anos 90. Consumidores apedrejaram uma subestação de energia.

Em suma, espero que todos vocês tenham um ótimo verão. Quanto as centenas (literalmente falando) de leitores que vivem na Europa, Ásia, Estados Unidos, espero que o inverno não seja tão complicado. E que surja um novo Albert Camus para escrever mais um “Núpcias, o Verão”, que releio ano sim, ano não. E você, nunca leu? Corra e compre.



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