O crepúsculo dos egoístas mais próximos
Devido a circunstâncias da vida, a semana passada
foi barra pesada. Não vou detalhar porque não é do meu feitio, mas foram dias
banhados de ansiedade e, em alguns momentos, de torpor. No
bojo, as temidas revelações sobre pessoas que julgamos próximas e que, quando
não damos sinais de vida (como muita gente não dou sinais de vida justamente
quando o tempo fecha) elas somem na paisagem.
Foi quando num ato pensado, consciente, consistente,
resolvi, simbolicamente, deletar essas pessoas de meu banco de memórias e
jogar o resto no lixão da futilidade existencial, o mundo do hahaha, da
gargalhada social. Parei de levá-las a sério, parei de contar com elas, parei
de me preocupar com seus problemas, enfim, parei, deletei mesmo. Foi duro,
aliás está sendo, um esforço enorme, extraordinário, mas necessário em nome de
minha saúde afetiva.
Ironicamente – vejam vocês – eu atravessava uma rua
sábado e uma pessoa que mal conheço me parou quando cheguei a calçada e, para a
minha surpresa, perguntou “está acontecendo alguma coisa? Você parece abalado!”.
Estava. Não disse nada, mas a simples abordagem daquela pessoa quase me fez
cair em prantos ali mesmo, naquela calçada úmida de chuva no meio do cipoal de
concreto, calhas, táxis, ônibus. Eu só disse “muito obrigado” a pessoa quase
desconhecida e segui, de volta para a minha missão.
O crepúsculo dos egoístas mais próximos, que decretei pelo meu
bem e da humanidade como um todo, é compensando por parcos amigos que me ligam
e compartilham comigo. Não é nada demais, ligar e compartilhar, mas nesses
momentos isso é tudo. Um desses amigos, que conheço desde 1975, me liga cinco
vezes por dia. Quem tem um desses pode “matar” dez falsários, estelionatários
emocionais.
Minha ideia era escrever uma homenagem a Manoel de
Barros, mas o nó na garganta deu lugar a este desabafo. A Manoel de Barros, uma
pequena homenagem, um fragmento de sua obra:
O
livro sobre nada
É
mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo
que não invento é falso.
Há
muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem
mais presença em mim o que me falta.
Melhor
jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou
muito preparado de conflitos.
Não
pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que
a revelou.
O
meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor
que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O
que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu
avesso é mais visível do que um poste.
Sábio
é o que adivinha.
Para
ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A
inércia é meu ato principal.
Não
saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria
pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo
é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe
não tem honras nem horizontes.
Sempre
que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar
nada, faço poesia.
Eu
queria ser lido pelas pedras.
As
palavras me escondem sem cuidado.
Aonde
eu não estou as palavras me acham.
Há
histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma
palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A
terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse
nossos mais fundos desejos.
Quero
a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta
tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu
é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos
santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor
para chegar a nada é descobrir a verdade.
O
artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por
pudor sou impuro.
O
branco me corrompe.
Não
gosto de palavra acostumada.
A
minha diferença é sempre menos.
Palavra
poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não
preciso do fim para chegar.
Do
lugar onde estou já fui embora.
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