A ditadura do falso moralismo quer brochar o planeta, enfiando uma burca na essência da mulher

                                         Tempestade de testosterona                                                                                                          Um programa de TV de grande audiência mostrou, no início da semana, várias mulheres (algumas muito interessantes) e uns caras se dizendo horrorizados com as cantadas, piadas e “olhares mal intencionados” que “oportunistas” disparam contra as “mulheres de bem” que perambulam pelas ruas. O que está entre aspas foi dito pelos participantes do tal debate.

Para provarem o tal “crime”, copiaram o que eu já tinha assistido num canal de TV norte-americano. Instalam uma câmera nas costas de uma mulher de shortinho jeans gostosíssima e as imagens “flagravam” os “meliantes” soltando piadas, comentários, assovios. Na sequência, cortaram para o estúdio onde os debatedores só faltaram pedir pena de morte para os supostos pervertidos e suas “ofensas” contra as mulheres.

Não estou entendendo nada. Nada. A mulher procura uma alimentação equilibrada, faz ginástica, vai ao cabeleireiro, se maquia, se depila, adora roupas sensuais (viva!), na medida do possível lê bons livros eróticos, quem sabe um filme mais ousado de vez em quando, em muitos casos busca terapias para se relacionar melhor com a sua liberdade interior, está cada vez mais culta e bem informada, enfim, tudo bem? Não.

Depois da revolução social do pós II Guerra que culminou com o início da libertação da mulher nos anos 1960, que acabou se consagrando nos anos 1980, mergulhamos no século 21 sob o signo do atraso. E mais uma vez a mulher paga a conta.

Esse papo na TV que mostrei lá em cima é uma amostra de que realmente vivemos tempos que clamam mulheres vestindo pijamas de flanela brancos de bolinhas pretas, calções brochantes, sutiãs coador de café e a criminalização radical dos prazeres “ocultos”, logo nefastos, bem como fantasias “imersas em devassidão” da mulher, eterna condenada a ser “profissional do lar”, mãe, esposa, rainha do papai-mamãe e das novelas boçais.

Estou convencido desde a adolescência de que essa mulher carola, submissa, espetada nas cruzadas dos regulamentos moralóides não existe porque, queiram ou não os machistas mais primitivos, as fantasias da mulher estarão sempre a dois milhões de anos luz a frente das dos homens. Não foram poucas as mulheres que me concederam o privilégio de falar sobre repressão, ação, reação, liberdade, libertinagem (viva!), etc. etc. etc. E muitas me disseram que gostam de ser admiradas na rua, na livraria, no mercado, na praia, na padaria, no avião, na vida. Logo, esse moralismo na porta do terceiro milênio, com um jeitão de Idade Média (ou seria Idade Mídia?) não encontra espaço na mulher que conseguiu romper com o machismo, com o atraso, com conceitos que fedem a naftalina enquanto apodrecem nos armários de vime dos conceitos e preconceitos.

Aí embaixo, um texto esse texto meu que achei há tempos no Google. Foi publicado e depois guardado em alguma gaveta entre o ano 2000 e 2009, no extinto jornal Lig. Para quem não sabe, um HD de meu computador (novo, na garantia) pegou fogo dois anos e pouco atrás. Perdi mais de dois mil textos, cerca de 15 mil músicas e vídeos, outros milhares de endereços que estavam no Outlook Express, três livros inéditos e mais, muito mais. Não, eu não fazia e ainda não faço backup porque, provavelmente, de vez em quando sou uma zebra. Por isso, ando catando meus textos por aí. Esse é um deles. Vamos lá:

A quarta invenção mais sensual da civilização é a calça jeans feminina. Claro que a curiosidade vai berrar “e a outras três, meu chapa?”. Vamos lá. Terceira, o micro-biquini de lacinho; segunda a micro-calcinha de cotton; primeira o cipozinho com botão de folha de parreira, que você só encontra nos deliciosos e obscuros covis da Bahia, Jamaica, Los Angeles, Paris e, com certeza absoluta, em Londres.

Sei que é incorreto, mas quando cruzo com uma mulher gostosa na rua, paro, viro o pescoço e olho fixo. Meu inconsciente deve tramar algum macete pois nunca fui flagrado por uma delas. Nunca. Lembrando que mulher gostosa não tem cor, altura, idade, peso, nada. Mulher gostosa é como música boa. Bate e fica. Não tem explicação. Por timidez e respeito jamais emiti qualquer som. Ainda assim, para evitar um desatino perante uma cavala bem assombrada, boto a mão na boca.

Ah, Drummond. Ah, grande Carlos Drummond de Andrade que em vez de assobiar “fiu fiu” escreveu o belo poema “A bunda, que engraçada” que lá pelas tantas se desmancha: “(...) A bunda basta-se/ Existe algo mais?/ Talvez os seios/ Ora - murmura a bunda - esses garotos/ ainda lhes falta muito que estudar/ A bunda são duas luas gêmeas em rotundo meneio/ Anda por si na cadência mimosa, no milagre de ser duas em uma, plenamente(...)”

Falo com a certeza de que jamais em tempo algum molestei, cantei, encoxei em ônibus/barca/metrô/avião, enfim, só contemplei o que (não nego) é o maior patrimônio da Natureza, razão de viver, centro do Universo: a mulher. Olhar, sorver, contemplar sem atacar é um direito. Por isso, olho. Dos 18 aos 100 anos, mulher gostosa é mulher gostosa. Luis Buñuel não acreditava em “mulher sem bunda”. Muito menos eu, mestre. Existem belas bundas retas, retinhas. 
Catherine Deneuve, que mesmo arfando, suando, passando mal mesmo, consegui entrevistar nos anos 90, é proprietária de uma. Belíssima.

Meu único acidente de trânsito foi uma varada na traseira de um caminhão que freou numa rua aqui da cidade. Uma diva negra saía de uma galeria como as lavas do Vesúvio inundando Pompéia. Zonzo, bati. Zonzo, confessei minha culpa. Zonzo, parti sem telefonar para o seguro, porque as companhias de seguro não toleram a luxúria.

Certa vez escrevi que o brasileiro, elegantemente, cede a frente as damas em entradas de elevador, escadas de ônibus, portas de restaurantes não por educação, mas pela oportunidade de contemplar o dorso por três segundos. Já filosofava a extinta Rádio Relógio que o segundo é um milagre que não se repete e esses três segundos podem gerar euforia por horas.

A calça jeans tem o poder de mapear em detalhes todos os ângulos, sulcos, riachos e deltas de uma mulher. Por isso, jamais sai de moda. E que assim seja. Tenho um amigo que quando se aporrinha corre para um shopping e fica “bebendo” manequins de vitrine ostentando jeans, calcinhas, biquínis, shorts. Amigo do peito, sabem quem é a figuraça que já foi xingado de incorreto, porco-chauvinista e tarado pelos intelectuais. Pobres intelectuais.

O Dire Straits tem uma canção antiga chamada “Skateaway” que narra a tempestade de testosterona que uma mulher provoca patinando por dentro do trânsito congestionado no centro de Londres. “Aleluia, yes she comes..” canta Mark Knopfler, confessando que também é sócio desse clube que celebra a 
Mulher e concorda que de nada valeria um planeta cheio de baleias, golfinhos e sabiás se, à bordo, não estivesse essa indecifrável estrela que, com elegância e quase doçura, nos coloca na condição de plutões periféricos, girando, girando, girando, até a última palavra, do último texto, do último poeta.                    
                                                 

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