Há 35 anos John Lennon morria mais uma vez, definitivamente

    A última foto. O assassino (a direita) deu cinco tiros em Lennon segundos depois
          Há quem diga que essa foto mostra John Lennon em paz. Mas ele amava a vida

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John Winston Lennon morreu várias vezes. Assistiu a morte de sua infância regada a miséria afetiva, desencontros, intolerância, o amor calado (e proibido) pela mãe Julia que ele mal conheceu mas que amou profunda, lírica, bela e loucamente. Julia quando se aproximou de John, ambos começaram a se entender, perceber afinidades cósmicas, terrenas e artísticas, o destino meteu a mão. Julia foi embora, para sempre, como Lucy in Sky with Diamonds. Lennon morria mais uma vez.
Vierem os Beatles e o quase garoto, quase homem, quase ancião John Winston Lennon casou-se com a doce, caseira, provinciana Cinthya e tentou não enxergar a luxúria, a esbórnia, o frenesi que era a vida de um beatle. O então amigo Paul McCartney nadava na fogueira, atirado as feras nos clubes psicodélicos de Londres, experimentando novos sons, novas drogas, novas mulheres. Lennon morria de novo, preso em sua pequena burguesia para qual não tinha a mínima vocação. Sobrou para o filho Julian, largado no mundo, até hoje. Culpa de quem? Há culpados? Há inocentes? O que há, além de mais uma morte de John Winston Lennon?
Lennon abandonou o casamento e juntou-se a experiente e vivida Yoko Ono. Perdição. Paixão louca varrida, psicótica, desmedida. A miopia afetiva de John ignorou os sinais amarelos e vermelhos. Kamikaze, fez-se capacho. Yoko fez com Lennon o que quis autorizada por ele. O filme “Let it Be” de Michael Lindsay-Hoog, lançado em maio de 1970, acabou virando testemunha ocular e auditiva da implosão dos Beatles e a mais um suspiro de liberdade de Lennon, submisso, jogado ao arrego do seu amor (?) por Yoko posando de esposa em praticamente todas as cenas. John morria como beatle em nome do torpor afetivo que mais tarde o jogaria nas agulhas da heroína.
Já sereno, já cicatrizado, já maduro, John Winston Lennon chegou do estúdio em sua amada e cultuada Nova Iorque. Seu carro parou em frente ao edifício Dakota, onde morava. John foi abordado por um rapaz que durante o dia havia lhe pedido um autógrafo. O rapaz era Mark David Chapman, um fã dos Beatles e de John, que acabou disparando cinco tiros a queima roupa com revólver calibre 38, dos quais quatro acertaram em John Lennon.
polícia chegou minutos depois e conduziu o músico na própria viatura para o hospital. O assassino permaneceu no local com um livro nas mãos, O Apanhador no Campo de Centeio de J.D. Salinger. Preso, Chaman foi julgado e condenado a prisão perpétua. John morreu após perder cerca de 80% do sangue, aos 40 anos de idade. Logo após a notícia da morte, que correu o mundo, uma multidão se juntou em frente ao Dakota, com velas e cantando canções de John e dos Beatles. O corpo de John foi cremado no Ferncliff Cemetery, em Hartsdale, cidade do estado de Nova Iorque, e suas cinzas foram guardadas por Yoko Ono. Foi a morte final de John Winston Lennon.
Naquela manhã fui cedo para o trabalho. Chocado, ouvia em meu Fiat 147 as notícias transmitidas pela rádio onde trabalhava, a Jornal do Brasil AM. Trabalhava, também, como editor de jornalismo da Rádio Cidade (que pertencia ao Grupo JB) para onde rumei. Eram 9 e meia da manhã quando rumei para o prédio do Sistema JB, aquele belo “navio” que está ancorado na avenida Brasil 500, hoje sede do Into, já que, vejam vocês, conseguiram destruir uma instituição nascida no império, chamada Jornal do Brasil.
Como boa parte do planeta eu estava transtornado, confuso, triste, angustiado. Jornalista profissional desde os 16 anos, aprendi nas redações que o melhor remédio para amenizar esse tipo de dor é meter a cara nas notícias, escrever, apurar, enfim, mergulhar de cabeça no fato, enfrentar o monstro de frente. Foi o que fiz, desejando muito ir para Nova Iorque e agir.
Desejei ir ao necrotério, ir atrás de Chapman para tentar o impossível (entrevistá-lo) ir até a frente do Dakota, orar por Lennon e por nós, e gerar um milhão de matérias ao vivo da capital da desolação planetária. Sim, naquele 8 de dezembro, Nova Iorque foi a capital dos sonhos evaporados, desejos de liberdade ceifados e do tapete vermelho estendido para a triunfal chegada do famigerado politicamente correto que nos açoita dia e noite. O fim de Lennon mexeu até com nossas liberdades íntimas, transformadas em libertinagens levianas, passíveis de graves punições sociais.
Meu horário de trabalho era de meio dia e meia as 19h30m, mas fiz questão de assumir o jornalismo da Rádio Cidade as 10 e meia da manhã. Eu e a equipe de jornalistas, formada somente por mim. Isso mesmo. Eu era o único jornalista naquela adorável e muito saudosa emissora, onde fiz amigos como Fernando Mansur, Romilson Luiz, Eládio Sandoval, etc.
Evidentemente o dia foi dedicado a Lennon. As 2 da tarde, convidaram um sujeito que o destino colocaria em meu caminho como peça-chave em outras situações. Seu nome: Sérgio Vasconcellos. Foi convidado, naquele macabro dia, a dividir o microfone com Eládio Sandoval falando de John Lennon, Beatles, e tocando raridades que só ele tem.
Apesar do luto, Serginho deu um show ao longo de toda a tarde, contando histórias de bastidores da banda e de Lennon em particular. Eu me dedicava as chamadas “hard news”, ligando para Nova Iorque, acionando correspondentes, enfim, cuidando daquele dia fatídico.
De 15 em 15 minutos descia para o sexto andar do Jotabezão (as rádios ficavam no sétimo) e ia a sala dos telexes, máquinas que vomitavam notícias 24 horas por dia. Lá também funcionavam as transmissões de radiofoto e telefoto da Agência JB e das norte-americanas UPI e Associated Press, sediadas também no prédio do JB. Abro um parêntese: só muita incompetência e burrice para levar aquele império a falência. Fecho o parêntese.
Numa dessas descidas e subidas, o operador de radiofoto me chamou com uma foto na mão. Nela (veja acima), John Lennon aparecia morto no necrotério de Nova Iorque. Era um close de seu perfil, nariz curvado, sem óculos, expressão serena.
No dia em que John Lennon morreu, 34 anos atrás, trabalhei muito. Serginho Vasconcellos também. Lizzie Bravo, brasileira que gravou com os Beatles o vocal de “Across The Universe”, estava pelas ruas do Rio, organizando vigílias, enfim, cada um vivenciou o luto à sua maneira. No final do dia, por volta das oito da noite, fiz a última descida (foram dezenas) a sala dos telexes e as máquinas, que não paravam nunca, naquele 9 de dezembro estavam histéricas. Peguei o último boletim, acho que da Reuters, com algumas palavras que Paul McCartney conseguiu dizer.
No fim de jornada, abracei Sandoval, Serginho (e peguei o telefone dele), meus amigos do Departamento de Radiojornalismo da JB e fui para o Leme. Sentei sozinho na Fiorentina, que me pareceu deserta, mas na verdade quem estava deserto naquele estranho dia éramos todos nós.
Meses depois, liguei para Sérgio Vasconcellos. O primeiro convidado para participar de uma nova revolução. Em setembro de 1981, começávamos a montar a Rádio Fluminense FM, a Maldita, que entrou no ar em 1 de março de 1982, tendo o Serginho, que se tornou meu amigo, como seu produtor de ponta.

O resto, quase todo mundo sabe.

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