O sedã japonês

O sedã japonês é verde escuro e estava num canto da vitrine da concessionária. Zero quilômetro. Tinha chegado do Japão há três meses, temporada no porto, depósito, pátio, documentação, lavagem, revisão, transporte, vitrine.

Ele entrou disposto a comprar um SUV preto, tração 4X4, para viajar pelo Pantanal e fazer uma perna para o deserto de Atacama, Chile. Ele sabia que carros japoneses e alemães não dão problema, são resistentes, honestos, apreciam a longevidade. Ia fechar negócio com o SUV. O vendedor foi lá atrás pegar o manual e outros detalhes quando o olhar dele fixou-se no sedã japonês.

Levantou, olhou a frente, traseira, laterais. Abriu o motor, 16 válvulas, bloco em alumínio, muitos cavalos de potência, câmbio automático e, o mais importante, carro japonês, que não dá trabalho e, ainda por cima, da mesma marca do SUV.

Mudou de ideia. Em vez do SUV comprou o sedã japonês. No dia seguinte saiu da loja, pôs um CD no Kenwood de fábrica e saiu. Foi até Barra do Sana resolver um assunto, desceu por Teresópolis e retornou como se tivesse ido a esquina beber uma água mineral. Na altura de São Gonçalo, violento temporal. Deixou a BR e decidiu ir por dentro da cidade. Mau negócio. Ruas transformadas em rios, carros boiando enguiçados. E o sedã japonês...passou! Com água na porta, muita vezes boiando, sequer falhou.

De dois em dois anos pensava em trocar o sedã japonês por um mais novo, mas se perguntava para que se o carro até alma de jipe tinha. O motor do sedã japonês era o mesmo do SUV que ele iria comprar. Enfrentou alagamentos na chuva, lama, neve, areia, como um autêntico SUV, sem dar um espirro. Um único espirro.

E foi assim durante 17 anos. Ele e o sedã japonês já não sabiam mais quem era quem. Naquele carro aconteceu de tudo, absolutamente tudo. Histórias que se fossem transformadas em livros lotariam a biblioteca nacional. Fiel, o sedã jamais enguiçou, jamais furou um pneu, jamais...jamais traiu o seu DNA japonês.

Mas um dia...bem um dia surgiu um outro japonês novo. Também resistente, também bem falado, também fiel, também...e ele vendeu o sedã japonês. Quase ficou arrasado mas graças ao novo dono, cujos olhos saltaram de paixão logo no primeiro contato, ele teve certeza de que seu grande amigo continuaria em boas mãos.

O novo japonês parece ter gostado do novo dono. Começaram a construir uma história bacana, leve, rápida, precisa, estável. Sem problemas. Como os carros japoneses e alemães.

Como a vida deveria ser.


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