Reflexão sobre cachorros em apartamento

Andando pelas ruas do bairro onde moro vejo dezenas de pessoas com cachorros na coleira, algumas levando nas mãos um saquinho plástico para por as fezes. Noto que a maioria dos cães é obesa por motivos óbvios. Vivem trancados em apartamento, vida sedentária, e por mais que seus donos os ame não conseguem dar ao cão a necessária, fundamental vida ao ar livre. Sofrem os cachorros (que também tem muitas doenças de pele por causa da falta de sol, de rolar na grama, etc), sofrem os donos.

Decidi nunca mais ter cachorro em apartamento por causa do meu melhor amigo, um basset (razão social dachshund) quase idêntico a esse da foto, que morava comigo num apartamento no Ingá, bairro de Niterói. Comprei o cão porque o sol da manhã entrava pela sala. Para melhorar, havia uma varanda onde, imaginei, Titã (esse era o nome dele) poderia curtir o calor (bassets sentem muito frio) do sol, o vento e um pedaço de céu.

Mas eu nunca imaginei que as três necessidades do melhor amigo do homem (desde pequeno sou convencido disso) são: 1 - o dono; 2 - o dono; 3 - o dono. Não importa se não há sol, não há céu, não há chuva, não há comida. Titã só queria saber de mim, numa postura devocional comovente e quase inacreditável. Claro que eu o amava, muito, e fingia que não via, na calada da noite, ele saltar devagarinho para cima da cama e se aninhar no edredon, perto de meus pés.

Eu tinha um jipe com capota de lona, uma Toyota amarela e todos os sábados, domingos e feriados, lá íamos eu e Titã (em pé na porta do carona- lógico que com a coleira amarrada- olheiras voando ao vento) para Itaipu, a minha eterna praia. Soltava o Titã no estacionamento ele ia voando para a areia e me esperava no bar do Neno (razão social Sabino´s Bar). Quando se certificava que eu realmente ia ficar por ali, ele saia para ver os seus amigos, vira-latas da praia (tinha reforço de vacina por causa disso) e também namoradas com quem nunca conseguia cruzar por causa das penas curtas. Seu veterinário era o Hilton (da Veterinária Piratininga) que conhecia bem a peça.

Itaipu toda conhecia Titã, e meus amigos adoravam ficar com ele Titã pegou horror ao mar por culpa da espuma de uma onda que o pegou quando ele tinha quatro meses. Traumatizou. A noite (sempre a noite), voltávamos para casa e ele, cansado, ia deitado no chão do carro. Em casa, banho, comida e ele ia para a cama. Eu voltava para a rua, retornando lá pelas cinco da manhã.

O problema era de segunda a sexta. Eu tinha que trabalhar e por mais que a saudosa diarista Marilza levasse Titã à rua de manhã e a tarde, ele queria o dono. Por isso, quando eu saia (sempre com o coração na mão) não resistia ao seu olhar triste, orelhas e rabos caídos como se perguntasse "você vai me deixar aqui por que?". Aquilo me matava.

Com o tempo achei que era extremo de egoismo manter o Titã naquele regime de solidão. Marilza também ia embora e ele...ficava em casa só. Tinha brinquedos, tinha varanda, mas não tinha o dono. E quando eu chegava a noite era uma festa, ela voava pela casa, parecia um passarinho saltando de um sofá para o outro e logo íamos para a rua. Ele também gostava da noite e num canto lá eu o soltava da coleira.

Mas no dia seguinte, mais sofrimento: dele e meu. Foi quando racionalmente (caramba, como me custou) eu entreguei Titã a Marilza, que morava numa casa com quintal, tinha netos pequenos, enfim, o terror da solidão não iria mais assolar o Titã. Mas e eu? E Itaipu? E...orientado por especialistas, dei o Titã e não o procurei mais. Como ele já gostava muito da Marilza podia fazer melhor a tal da "transferência" e parece que foi isso que aconteceu porque ele durou quase 15 anos, segundo ela, feliz.

Hoje, vendo os cachorros de apartamento encoleirados pelas ruas,  pergunto. É justo isso? 

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