"Como o aborto pode ter contribuído, uma geração depois, para a maior queda da criminalidade na história contemporânea dos Estados Unidos?" - Stephen J. Dubner e Steven D. Levitt, autores do best seller Freakonomics

                                                                               


Quando os criminosos não nasceram nos Estados Unidos

(...) Acontece que, quando se trata de criminalidade, nem todas as crianças nascem iguais. Ou mesmo parecidas. Décadas de estudo demonstraram que uma criança nascida em um ambiente familiar adverso tem muito mais probabilidade que outras de se tornar um bandido. 

E os milhões de mulheres com mais probabilidade de fazer um aborto na esteira de Roe x Wade � pobres, solteiras e adolescentes para as quais, no passado, os abortos ilegais costumavam ser caros demais ou pouco acessíveis � eram, em sua maioria, exemplos rematados de adversidade, ou seja, precisamente as mulheres cujos filhos, se nascidos, teriam mais probabilidade do que outras crianças de se tornarem criminosos. Devido, contudo, ao caso Roe x Wade, essas crianças não nasceram. Esse processo famoso viria a produzir um efeito drástico no futuro distante: anos mais tarde, justamente quando essas crianças não-nascidas atingiriam a idade do crime, o índice de criminalidade começou a despencar. (...)

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                 O Lado Oculto de Tudo

Qualquer pessoa que morasse nos Estados Unidos no início da década de 90 e prestasse um mínimo de atenção aos jornais e telejornais diários teria desculpas para viver morta de medo.

A vilã era a criminalidade, que vinha crescendo incessantemente. Um gráfico mostrando a escalada dos índices de criminalidade em qualquer cidade americana nas décadas anteriores assemelhava-se a uma montanha e agora parecia prenunciar o fim do mundo. 

Mortes causadas por armas de fogo, intencionais ou não, eram lugar-comum. O mesmo acontecia com o roubo de carros, o tráfico de crack, os assaltos e os estupros. A violência virara uma companheira funesta e constante. E a situação estava prestes a piorar. Piorar muito, afirmavam todos os especialistas.

A causa: o chamado superpredador. Na época, só se falava nele. Andava nas capas das revistas semanais e nos gordos relatórios da segurança pública. "Ele" era um adolescente magricela da cidade grande, com uma arma barata na mão e muito ódio no coração. Havia milhares deles, segundo se dizia, uma geração de assassinos prontos a mergulhar o país no mais profundo caos.

Em 1995, o criminologista James Alan Fox elaborou um relatório para o Ministro da Justiça americano detalhando em cores sombrias a escalada dos homicídios cometidos por adolescentes. Fox apresentou um cenário otimista e outro pessimista. No otimista, a taxa de homicídios adolescentes cresceria 15% na década seguinte; no pessimista, ele previa um crescimento de mais que o dobro desse percentual. "A próxima onda de crimes será tão terrível", disse ele, "que nos fará sentir saudades de 1995."

Outros criminologistas, cientistas políticos e observadores igualmente bem-informados previam o mesmo futuro tenebroso, incluindo-se nesse coro o Presidente Clinton. "Sabemos que dispomos de uns seis anos para reverter a escalada do crime juvenil", disse Clinton, "ou o nosso país irá mergulhar no caos e meus sucessores não mais falarão das grandes oportunidades da economia global, pois estarão tentando manter vivos nas ruas os habitantes de nossas cidades." As apostas, nitidamente, se concentravam nos criminosos.

Então, em lugar de subir e de continuar subindo, os índices de criminalidade começaram a baixar. A baixar e a continuar baixando. A queda da criminalidade surpreendeu em vários aspectos: foi ubíqua, com os índices de todos os crimes caindo em todas as cidades do país. Foi persistente, caindo cada vez mais a cada ano. E foi totalmente inesperada principalmente para os especialistas que haviam predito precisamente o oposto.

O tamanho da virada foi impressionante. O índice dos crimes praticados por adolescentes, em vez de subir 100 por cento ou mesmo os 15 por cento preconizados por James Alan Fox, caiu mais de 50% em cinco anos. Em 2000, o índice nacional de homicídios nos Estados Unidos havia atingido seu nível mais baixo em trinta e cinco anos e o mesmo acontecera com quase todos os crimes, dos assaltos aos roubos de automóvel.

Embora os especialistas não houvessem antecipado a queda da criminalidade que, na verdade, já vinha ocorrendo à época de suas catastróficas previsões -, eles se apressaram a explicá-la. De modo geral, as teorias pareciam lógicas. A euforia econômica dos anos 90 ajudou a frear o crime, concluiu-se. O mérito é da proliferação das leis de controle sobre as armas, disseram eles, ou das inovadoras estratégias políticas adotadas em Nova York, onde os crimes caíram de 2.245 em 1990 para 596 em 2003.

Essas teorias não eram apenas lógicas, mas também encorajadoras, pois atribuíam a queda da criminalidade a iniciativas humanas específicas e recentes. Se o crime fora detido pelo controle sobre as armas, por estratégias políticas inteligentes e empregos que pagavam melhor, o poder para neutralizar os criminosos estivera ao nosso alcance o tempo todo. E voltaria a estar, caso Deus nos livre a criminalidade voltasse a crescer com tanto fôlego.

Essas teorias passaram, ao que tudo indica sem questionamentos, da boca dos especialistas para os ouvidos dos jornalistas e, daí, para a cabeça do público. Em pouco tempo viraram senso comum.

Só havia um problema: não estavam corretas.
Um outro fator em muito contribuiu para a maciça queda da criminalidade nos anos 90. Ele adquirira forma mais de vinte anos antes e tivera como protagonista uma jovem de Dallas chamada Norma McCorvey.

Como o proverbial espirro dado num continente que acaba causando um terremoto em outro, Norma McCorvey, sem querer, alterou drasticamente o curso dos acontecimentos. Ela queria apenas fazer um aborto. Aos 21 anos era pobre, alcoólatra e usuária de drogas. Tinha baixa escolaridade e nenhuma aptidão profissional. Já entregara dois filhos à adoção e, em 1970, se viu novamente grávida. 

No Texas, como em quase todos os estados americanos então, o aborto era ilegal. A causa da jovem acabou encampada por gente mais poderosa que ela, tornando-a autora de uma ação coletiva em prol da legalização do aborto. 

O poder público foi representado por Henry Wade, o Procurador-Geral do Condado de Dallas. O caso acabou na Suprema Corte, sendo que, nessa época, Norma McCorvey já figurava na ação como Jane Roe. No dia 22 de janeiro de 1973, o tribunal decidiu a favor da Srta. Roe, o que acarretou a legalização do aborto em todo o país. Naturalmente a essa altura já era tarde demais para a Srta. McCorvey/Roe fazer um aborto. A criança havia nascido e sido adotada. (Anos mais tarde, Norma McCorvey renunciou à sua antiga causa e se tornou uma ativista pró-vida).

Como, então, Roe x Wade pode ter contribuído, uma geração depois, para a maior queda da criminalidade na história contemporânea?

Acontece que, quando se trata de criminalidade, nem todas as crianças nascem iguais. Ou mesmo parecidas. Décadas de estudo demonstraram que uma criança nascida em um ambiente familiar adverso tem muito mais probabilidade que outras de se tornar um bandido. E os milhões de mulheres com mais probabilidade de fazer um aborto na esteira de Roe x Wade,  pobres, solteiras e adolescentes para as quais, no passado, os abortos ilegais costumavam ser caros demais ou pouco acessíveis  eram, em sua maioria, exemplos rematados de adversidade, ou seja, precisamente as mulheres cujos filhos, se nascidos, teriam mais probabilidade do que outras crianças de se tornarem criminosos. 

Devido, contudo, ao caso Roe x Wade, essas crianças não nasceram. Esse processo famoso viria a produzir um efeito drástico no futuro distante: anos mais tarde, justamente quando essas crianças não-nascidas atingiriam a idade do crime, o índice de criminalidade começou a despencar.

Não foi o controle sobre as armas nem uma economia robusta ou as novas estratégias políticas o que finalmente reverteu a onda americana de criminalidade, mas, entre outros, o fato de o número de criminosos potenciais ter minguado drasticamente.

Agora vejamos: quando os especialistas em queda de criminalidade (os ex-profetas da catástrofe) apresentaram à mídia suas teorias, quantas vezes a legalização do aborto foi mencionada?

Nenhuma.



Trata-se da típica mistura de negócios e companheirismo: você contrata um corretor para vender a sua casa.

Ele capta o charme do imóvel, tira umas fotos, faz a avaliação, bola um anúncio sedutor, mostra o local como bom profissional, negocia as ofertas e acompanha a venda até a escritura. 

Lógico que é trabalhoso, mas ele está levando uma boa fatia do bolo. Na venda de uma casa de 300 mil dólares, a comissão habitual de 6% de corretagem chega a 18 mil dólares. Dezoito mil é um bocado de dinheiro, mas você sabe que, sozinho, jamais teria vendido a casa por 300 mil dólares. O corretor soube � qual foi mesmo a frase que ele usou? � "maximizar o valor do imóvel". E conseguiu um ótimo preço para você, não foi?

Não foi?

Um corretor de imóveis é um especialista diferente de um criminologista, mas tão especialista quanto esse último, ou seja, conhece sua área de trabalho melhor do que o leigo em nome do qual atua. Está mais bem informado sobre o valor da casa, sobre as condições do mercado imobiliário e até quanto às expectativas do comprador. Você depende dele para esse tipo de informação. Foi por isso, aliás, que contratou um especialista.

À medida que o mundo foi ficando mais especializado, inúmeros desses especialistas se fizeram igualmente indispensáveis. Médicos, advogados, empreiteiros, corretores de ações, mecânicos, estrategistas financeiros: todos eles dispõem de uma gigantesca superioridade no capítulo "informações". E utilizam essa superioridade para ajudar você, a pessoa que os contrata, conseguindo precisamente o que você quer pelo melhor preço.

Certo?

Seria ótimo acreditar que sim, mas os especialistas são humanos e os seres humanos reagem a incentivos. Assim, o tratamento que você vai receber de qualquer especialista depende de como os incentivos dele funcionam. 

É possível que funcionem a seu favor. Por exemplo: um estudo com os mecânicos da Califórnia descobriu que eles cobravam pouco para regular os carros para a vistoria obrigatória. O motivo? Mecânicos camaradas são recompensados com a fidelidade do cliente. Mas casos há em que os incentivos do especialista podem funcionar contra você. Um estudo médico revelou que os obstetras que atuam em áreas com índices de nascimento em queda estão muito mais propícios a realizar cesarianas do que os obstetras de áreas cujos índices de nascimento se encontram em ascensão. Infere-se daí que, quando o trabalho escasseia, os médicos tentam impingir procedimentos mais caros.

Uma coisa é especular sobre o abuso dos especialistas, outra é provar que ele existe. A melhor maneira de fazê-lo seria comparar a forma como o especialista trata você com a forma como ele age quando faz o mesmo serviço para si próprio. Infelizmente um cirurgião não opera a si mesmo, e sua ficha médica não está aberta ao público. Também não temos acesso às notas dos serviços que um mecânico realiza no próprio carro.

As vendas de imóveis, porém, estão sujeitas ao escrutínio público, e os corretores com freqüência vendem suas próprias casas. Um conjunto recente de dados abrangendo a venda de aproximadamente 100 mil casas nos arredores da cidade de Chicago mostra que mais de 3 mil delas pertenciam aos próprios corretores.

Antes de mergulhar nos dados, vale a pena fazer uma pergunta: qual é o incentivo do corretor de imóveis ao vender sua própria casa? É simples: conseguir o melhor negócio possível. 
Supostamente esse também é o incentivo que move você quando se trata da venda da sua casa. Assim, à primeira vista o seu incentivo e o do corretor estão em perfeita sintonia. Afinal, a comissão que lhe cabe é calculada sobre o preço de venda.

Quando falamos de incentivos, porém, as comissões são algo complicado. Em primeiro lugar, a taxa habitual de 6% de corretagem costuma ser repartida entre o corretor do comprador e o do vendedor. Cada um deles entrega a metade da sua parte à agência, o que significa que apenas 1.5% do preço de venda entra, efetivamente, no bolso do corretor.

Por isso, pela venda da sua casa de 300 mil dólares, o corretor abocanha, da comissão de 18 mil, não mais que 4.500. Ainda é uma boa quantia, você diz. E se a casa, na verdade, valesse mais de 300 mil? E se, com um pouquinho mais de esforço e paciência e alguns anúncios adicionais nos jornais, ele pudesse conseguir 310 mil? Descontada a comissão, isso significaria 9.400 dólares extras no seu bolso. 

Só que a parcela adicional no bolso do corretor o 1,5% líquido que lhe caberia sobre 10 mil dólares seria de meros US$150. Se o seu lucro chega a US$9.400 enquanto o dele não passa de US$150, talvez os incentivos de vocês dois não estejam tão sintonizados assim (principalmente porque é ele quem paga os anúncios e tem todo o trabalho). Será que o corretor estaria disposto a investir todo esse tempo, dinheiro e energia extras em troca de míseros 150 dólares?

Existe uma maneira de descobrir: pesquisar a diferença entre os dados de venda das casas que pertencem a corretores e os das casas que eles vendem em nome de clientes. Utilizando os dados das vendas daqueles 100 mil imóveis de Chicago e respeitando todas as variáveis localização, idade e estado da casa, aparência etc.  verifica-se que um corretor mantém sua própria casa no mercado, em média, por um período 10 dias maior e a vende por um preço 3% mais alto ou seja, 10 mil dólares, no caso de um imóvel de 300 mil. 

Quando se trata da venda da própria casa, um corretor espera a melhor oferta; quando a casa é do cliente, ele o estimula a aceitar a primeira proposta decente que surgir. Como um corretor de ações almejando comissões, o corretor quer fechar negócios. E rapidamente. Por que não? A parte que lhe cabe no caso de uma oferta melhor  US$150  é um incentivo por demais insignificante para encorajá-lo a agir de outro modo.

De todos os truísmos relativos à política, um é considerado mais verdadeiro do que os demais: o dinheiro compra votos. Arnold Schwarzenegger, Michael Bloomberg, Jon Corzine são apenas alguns exemplos chamativos recentes do truísmo na prática. (Esqueça, por um momento, os exemplos contrários de Howard Dean, Steve Forbes, Michael Huffington e, principalmente, Thomas Golisano, que nas últimas três campanhas eleitorais em Nova York gastou 93 milhões do próprio bolso, conseguindo, respectivamente, 4, 8 e 14 por cento dos votos). A maioria das pessoas diria que o dinheiro exerce uma influência exagerada nas eleições e que somas excessivas são gastas nas campanhas políticas.

É verdade que os dados eleitorais demonstram que o candidato que gasta mais numa campanha costuma ganhar a eleição. Mas será o dinheiro a razão da vitória?

Parece lógico pensar que sim, da mesma forma como pareceu lógico creditar a redução da criminalidade à euforia econômica dos anos 90. 

No entanto, apenas porque duas coisas são correlatas isso não implica em que uma delas tenha como conseqüência a outra. Uma correlação aponta simplesmente para a existência de uma relação entre dois fatores  Y, digamos  mas nada revela sobre a direção dessa relação. É possível que X dê causa a Y; também é possível que Y dê causa a e pode ocorrer que a causa tanto de X como de esteja em algum outro fator, Z.

Reflitamos sobre tal correlação: as cidades com muitos homicídios também costumam ter muitos policiais. Tomemos agora a correlação polícia/homicídio numa dupla de cidades reais. Denver e Washington têm mais ou menos a mesma população mas a força policial de Washington é quase três vezes maior do que a de Denver, e a capital também tem oito vezes mais homicídios. A menos que você disponha de mais informações, porém, é difícil dizer qual é a causa disso. Algum desavisado poderia examinar esses números e concluir que esses policiais a mais sejam a razão do número maior de crimes. Esse raciocínio obtuso, que tem uma longa história, em geral produz uma reação obtusa, como na lenda do czar que foi informado de que a província com maior incidência de doenças era também a que contava com mais médicos. Sua solução? 

Mandou imediatamente fuzilar todos os médicos.

Voltando à questão dos gastos de campanha: para descobrir a relação entre o dinheiro e as eleições, vale a pena considerar os incentivos em jogo no financiamento de campanhas eleitorais. Digamos que você seja o tipo de pessoa disposta a doar 1.000 dólares para um candidato. 

Essa decisão ocorrerá, provavelmente, em uma destas duas situações: um pleito apertado em que lhe pareça que o dinheiro possa influir no resultado, ou uma eleição em que um dos candidatos seja favorito absoluto e apeteça a você tirar partido dessa glória ou receber algo em troca no futuro. 

Com toda certeza, seu dinheiro não irá para o azarão (basta perguntar a qualquer postulante à presidência que fracasse inapelavelmente em Iowa e New Hampshire). Assim, os favoritos e os candidatos à reeleição levantam muito mais fundos do que os que têm menos chances de vencer. E quanto ao gasto desse dinheiro? 

Obviamente, os favoritos e os candidatos à reeleição dispõem de mais numerário, mas só o gastam quando se vêem diante de um risco real de derrota, pois que sentido faz detonar uma poupança que poderá ser mais útil no futuro, quando um adversário mais forte aparecer?

Imaginemos agora dois candidatos: um intrinsecamente atraente e outro nem tanto. O candidato atraente arrecada muito mais dinheiro e vence com facilidade. Mas terá sido o dinheiro o responsável por lhe conseguir votos, ou terá sido o seu charme o responsável pelos votos e pelo dinheiro?

Eis uma pergunta crucial, mas muito difícil de responder. Afinal, charme de candidato é difícil de quantificar. Como poderíamos medi-lo?

Na verdade não podemos, salvo em uma circunstância especial. A dica é comparar um candidato a ... si próprio, ou seja, o Candidato 
A de hoje provavelmente será igual ao Candidato A de daqui a dois ou quatro anos. O mesmo se aplica ao Candidato B. Basta que o Candidato A dispute com o Candidato B duas eleições consecutivas, porém gastando quantias diferentes em cada uma delas. Nesse caso, sendo mais ou menos constante o charme do candidato, poderíamos medir o impacto do dinheiro.

Com efeito, os mesmos dois candidatos concorrem um contra o outro em eleições consecutivas o tempo todo para ser exato em quase mil campanhas para o Congresso americano desde 1972. O que dizem os números nesses casos?

Aqui está a surpresa: o volume de dinheiro gasto pelos candidatos praticamente não faz diferença. Um candidato vencedor pode cortar pela metade seu gasto e perder apenas 1% dos votos. Enquanto isso, um candidato derrotado que dobre seu gasto não conseguirá aumentar sua votação senão em percentual idêntico a esse. O que realmente faz a diferença quando se trata de um político não é a quantia de dinheiro despendida; o que faz a diferença é quem ele é (o mesmo pode ser dito e será, no capítulo 5 a respeito dos pais). Alguns políticos exercem uma atração inerente sobre os eleitores e outros, simplesmente, não. E não há nada que o dinheiro possa fazer para reverter esse quadro (os Srs. Dean, Forbes, Huffington e Golisano, é lógico, já estão fartos de sabê-lo).

E quanto à outra metade do truísmo eleitoral a de que os fundos para financiamento de campanha são obscenamente volumosos? Em um típico período eleitoral que inclua campanhas para a presidência, o Senado e a Câmara, cerca de 1 bilhão de dólares é gasto por ano o que parece um bocado de dinheiro, salvo se você comparar essa quantia a algo menos importante que uma eleição democrática.

Esse mesmo bilhão de dólares os americanos gastam, por exemplo, anualmente com chicletes.

Este não é um livro sobre o preço do chiclete versus gastos de campanha nem sobre corretores de imóveis espertinhos ou o impacto da legalização do aborto sobre a criminalidade. 

Ele decerto abordará tais cenários e dezenas de outros, da arte de ser pai à mecânica da embromação, do funcionamento interno da Ku Klux Klan à discriminação racial no programa de tevê "The Weakest Link". O que este livro faz é descamar levemente a superfície da vida moderna e descobrir o que acontece por debaixo dela. Faremos um bocado de perguntas, algumas frívolas e outras envolvendo questões cruciais. As respostas muitas vezes soarão estranhas, mas, em retrospectiva, também bastante óbvias. 

Buscaremos tais respostas nos dados sejam eles oriundos das notas dos alunos de escolas primárias ou da estatística dos crimes cometidos em Nova York ou, ainda, do balanço financeiro de um traficante de crack(várias vezes lançaremos mão de padrões presentes, porém deixados de lado � como a esteira de fumaça que um avião traça no céu �, nesses dados). É bom e salutar opinar ou teorizar sobre determinado assunto, como a humanidade tem o hábito de fazer, mas quando o moralismo é substituído por uma aceitação honesta dos dados, o resultado costuma ser novo e surpreendente.

Poderíamos dizer que o moralismo representa a forma como as pessoas gostariam que o mundo funcionasse, enquanto a Economia representa a forma como ele realmente funciona. A Economia é, acima de tudo, uma ciência feita para medir. Possui um conjunto incrivelmente eficiente e flexível de ferramentas capaz de acessar de maneira confiável uma variedade de informações a fim de identificar o efeito de qualquer fator isolado ou mesmo o efeito integral. No final das contas, a "Economia" é isso: uma variedade de informações sobre empregos, imóveis, finanças e investimentos. 

Mas as ferramentas da Economia podem também ser utilizadas com relação a temas mais... Ora, mais interessantes.

Por isso este livro foi escrito a partir de uma visão de mundo muito específica, baseada em algumas idéias fundamentais:

Os incentivos são a pedra de toque da vida moderna. Entendê-los � ou, na maior parte das vezes, investigá-los � é a chave para solucionar praticamente qualquer enigma, dos crimes violentos à trapaça nos esportes ou ao namoro na Internet.

O senso comum em geral está equivocado. Não havia escalada da criminalidade nos anos 90, o dinheiro sozinho não ganha eleições e � surpresa! � ninguém jamais comprovou que ingerir oito copos d�água por dia faça bem à saúde. O senso comum costuma ser mal fundamentado e muitíssimo difícil de investigar, mas isso não é impossível.

Causas distantes e até mesmo sutis podem, muitas vezes, provocar efeitos drásticos. A solução de um determinado enigma nem sempre está diante dos nossos olhos. Norma McCorvey teve um impacto bem maior sobre a criminalidade do que a combinação de forças do controle de armas, da euforia econômica e das estratégias policiais inovadoras. É possível dizer o mesmo, como veremos adiante, de um homem chamado Oscar Danilo Blandon, também conhecido como Johnny Rei do Crack.

Os "especialistas" � dos criminologistas aos corretores de imóveis � usam suas informações privilegiadas em benefício próprio. No entanto, eles podem ser vencidos em seu próprio jogo. 

Além disso, com o advento da Internet, sua superioridade em termos de informação cada dia encolhe mais � como comprova, entre outras coisas, a queda de preço dos caixões e dos seguros de vida.

Saber o que medir e como medir faz o mundo parecer muito menos complicado. Quando se aprende a examinar os dados de forma correta, é possível explicar enigmas que do contrário pareceriam insolúveis, pois nada como o poder dos números para remover camadas e camadas de desconhecimento e contradições.

Assim, a meta deste livro é explorar o lado oculto de... tudo. É possível que seja até frustrante. Haverá momentos em que a sensação será a de espiar o mundo através de um canudo ou a de visitar a sala dos espelhos de um parque de diversões. A idéia, porém, é buscar vários cenários e examiná-los de uma maneira como poucas vezes se fez. Sob alguns aspectos, esse é um tema estranho para um livro. A maioria deles se propõe a apresentar um único assunto, secamente expresso em uma frase ou duas, e depois contar toda a história acerca do mesmo: a história do sal; a fragilidade da democracia; o uso e o mau uso da pontuação. Este livro não tem um tema unificador nesse sentido. 

Chegamos a pensar, durante uns cinco minutos, em escrever um livro que girasse em torno de um único tema � a teoria e a prática da micro-economia aplicada, que tal? � mas optamos, em vez disso, por uma espécie de caça-ao-tesouro. 

É certo que a nossa abordagem emprega as melhores ferramentas de análise que a Economia tem a oferecer, mas também nos permite acompanhar toda e qualquer curiosidade excêntrica que nos ocorra. Daí o nosso campo de estudo inventado: Freak*onomia. As histórias contadas aqui não costumam fazem parte das aulas de Economia, mas talvez isso mude no futuro. 

Como a ciência da Economia é, em princípio, um conjunto de ferramentas e não uma matéria em si, nenhum tema, por mais alheio que lhe pareça, deve ser considerado fora do seu alcance.

Vale a pena lembrar que Adam Smith, o fundador da Economia clássica, foi, antes de tudo, um filósofo. Esforçou-se para ser um moralista e, nesse processo, se tornou um economista. Quando publicou "A Teoria dos Sentimentos Morais" em 1759, o capitalismo moderno dava seus primeiros passos. Smith ficou fascinado com as mudanças radicais que essa nova força acarretou, mas os números não foram o único foco do seu interesse. Ele concentrou sua atenção no efeito humano, no fato de as forças econômicas estarem alterando profundamente a maneira de pensar e de agir de uma pessoa em uma determinada situação. 

O que levava alguém a trapacear ou a roubar enquanto outro se abstinha de fazê-lo? Como a escolha - boa ou ruim - aparentemente inofensiva de alguém afetava um grande número de pessoas ao longo da corrente? Na época de Smith, o fenômeno causa-efeito sofreu uma incrível aceleração; os incentivos foram multiplicados por dez. A gravidade e o impacto dessas mudanças foram tão avassaladores para os cidadãos de então quanto a gravidade e o impacto da vida moderna o são para nós atualmente.

O verdadeiro tópico de estudo de Smith era o conflito entre o desejo individual e as normas sociais. O historiador econômico Robert Heilbroner, escrevendo em The Wordly Philosophers, especulou sobre como Smith fora capaz de separar os feitos do homem, uma criatura auto-centrada, do grande plano moral em que atua. "Smith defendia que a resposta está na nossa capacidade de nos colocarmos na posição de um terceiro, um observador imparcial", concluiu Heilbroner, "e dessa maneira construir uma noção dos méritos objetivos de uma questão."

Considere-se, pois, leitor, na companhia de um terceiro � ou, se preferir, de dois terceiros � ansioso para investigar os méritos objetivos de questões interessantes. Tais investigações costumam partir de uma pergunta simples nunca dantes formulada. Por exemplo: o que os professores têm em comum com os lutadores de sumô?

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