“Fluminense FM, Maldita!!!” - Capítulo 18 da terceira edição de livro "A Onda Maldita - como nasceu a Fluminense FM". Como foi o primeiro dia.
A história da Rádio Fluminense FM é surpreendente desde o primeiro dia. Leia o capítulo 18 de meu livro "A Onda Maldita - como nasceu a Fluminense FM". A terceira edição (capa cinza, sobrecapa amarela) está na promoção 35 anos a R$ 19,50. Conheça aqui: http://nitpress.webstorelw.com.br/products/a-onda-maldita
MÓDULO 18
“Fluminense FM, Maldita!!!”
Eram oito da noite de domingo, 28
de fevereiro de 1982. Estávamos arrasados, quando o operador subiu com a cara
espantada e disse que, inexplicavelmente, os zumbidos e chiados tinham parado.
Desci as escadas como um mico-leão dourado nas selvas de Silva Jardim. Cheguei
ao parque gráfico e constatei, quase chorando de emoção, que as máquinas não
tinham parado de cuspir jornal. Ou seja, a chiadeira tinha sumido porque...
porque... quis.
Eu, Sergio e Amaury mergulhamos no
estúdio de gravação e fomos de oito da noite às cinco e meia da manhã gravando.
Foi pesado, foi cansativo, foi tudo, mas acima de tudo, foi uma vitória. Usamos
a voz de veludo persa de Amaury para as vinhetas e prefixos. Uma maneira de
aliviar qualquer provável saturação de voz feminina no ar. Faltavam dez minutos
para as seis da manhã. A Rádio Fluminense FM, nova em folha, ia entrar no ar às
seis horas. Em ponto. A
locutora Selma Boiron já estava no estúdio fazia uma hora, concentrada. Todos
estávamos nervosos, mas não podíamos passar nada para a locutora. Pela primeira
vez em sua vida ela ia entrar no ar. Qualquer hipótese de insegurança nossa e
picas, meu amigo.
Faltavam cinco minutos para as
seis horas. Tudo pronto no estúdio e no Sumaré. Céu claro, temperatura amena
naquele histórico 1º de março. Eu, Amaury e Sergio tínhamos gravado, sei lá,
umas 20 ou 30 vinhetas que iam sendo encartuchadas. Entre uma e outra, nos
abraçávamos. Chegamos à conclusão de que tínhamos, finalmente, inventado uma
rádio ousada, criativa, audaciosa, independente, como os malditos da arte, da
ciência... Aí não se sabe por que, pedimos ao operador que abrisse o microfone
e juntos, os três disparamos: “Fluminense FM, Maldita!” Absolutamente sem
querer.
Foi a última vinheta a ser
gravada. Sem trilha sonora. Só voz. Acidentalmente, foi a vinheta que definiu
tudo aquilo que pensávamos, que trabalhávamos. Era um produto maldito, como os
quadros de Van Gogh, não entendidos em sua época, ou como os poemas de Jim
Morrison. Os sermões de Jesus Cristo, os sons de Hermeto Paschoal, os delírios
de Jorge Mautner e Jards Macalé, Quadrophenia do The Who, os fuzis de Carlos
Lamarca, ou os mergulhos de Tangerine Dream, Revolution 9, de Lennon, o som de Hendrix, a imagem de Glauber, a
vida de Leila Diniz. Dois minutos depois, pilotada por Selma Boiron, a Maldita entrou
no ar.
A primeira música já estava
decidida há muito tempo. Todo mundo sabia de meu fanatismo pelo The Who. Por
isso, não quis me meter na história. Mas foi Sergio quem lutou para que a
primeira música a ir ao ar fosse The Kids
Are Alright, com o Who. Uma gravação dos primeiros anos da banda, que tinha
muito a ver com o som da fase pré-histórica dos Beatles. A letra, em seu refrão
cantado para o Rio de Janeiro que ainda se contorcia nos trens, ônibus e camas,
àquela hora da manhã, dizia: “Os garotos têm razão, os garotos têm razão.”
Valeu Townshend! Valeu Sergio!
Sem comer, sem dormir, lá pelas
oito horas nós três estávamos no farrapo. Sim, a coisa estava apenas começando.
Foi quando apareceu o Alex, que segurou a peteca. Fui para casa dormir, ouvindo
a rádio. Tudo corria bem, ou melhor, quase bem, ou melhor ainda, uma merda.
Achei que a programação musical estava péssima, caída. Não entendi. Foram meses
de trabalho e pesquisa e estava uma merda?
Resolvi tomar um café e ir dormir.
Poderia ser impressão, estressadas impressões que muitas vezes nos levam a
atitudes babacas. Dormi pouco. Meio-dia já estava de pé. A programação ao meu
ver, continuava muito ruim.Triste, triste, triste. Por mais que Jimmy Page
fizesse a guitarra gemer, a Maldita estava triste. E foi com esse pensamento
que peguei o carro e rumei lentamente para a Rua Visconde de Itaboraí, onde
ficava a rádio. Passei pelo nono andar e a locutora Selma Vieira disse que o
telefone não parava de tocar. Todo mundo adorando. Falou que Regina Echeverria,
na época repórter da revista Isto É, estava a fim de fazer uma matéria sobre a
rádio. Peguei a programação, conferi módulo por módulo. Era aquilo mesmo que
tínhamos programado. Só me senti satisfeito quando Sergio, Alex e Amaury
disseram que também tinham achado a rádio uma merda. Que alívio. Começamos a
fazer tudo de novo, só que com o prazo de 24 horas. Mergulhamos.