Vulcão invertido

O VALOR DO SILÊNCIO

"Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida. Minha pequena projeção fere o meu pudor. Inclusive o que eu queria dizer já não posso mais. O anonimato é suave como um sonho. Eu estou precisando desse sonho. Aliás eu não queria mais escrever. Escrevo agora porque estou precisando de dinheiro. Eu queria ficar calada. Há coisas que nunca escrevi, e morrerei sem tê-las escrito. Essas por dinheiro nenhum. Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio." 

Clarice Lispector, em Crônicas no 'Jornal do Brasil (1968)' 


Aqui na psicodélica cabana da minha crônica insignificância ouso compartilhar alguns draminhas pequenos burgueses com
os leitores. Draminhas (ideal seria dramecos) que não interessam a ninguém.

Escrevo esta coluna como a mais severa, dura, moleca e (posso falar?) escrota das censuras: a auto censura. Um vulcão de cabeça para baixo que ocupa o meu âmago e entra em erupção de fora para dentro, fritando a alma imoral.


Trabalhei sob dura censura no regime militar. Escrevi no Pasquim, no Opinião (ambos sob censura prévia) e vi os burocratas da polícia com canetas pilot riscando com verde e vermelho. Verde para matérias liberadas, vermelho para censuradas. O Opinião pertencia ao empresário Fernando Gasparian e funcionava no Jardim Botânico. Uma vez ele foi reclamar que 90% de uma edição tinha sido censurada, inclusive a minha matéria sobre indígenas tratados como entulho na Casa do Índio, entidade assistencialista que funcionava na Ilha do Governador. Em resposta ouviu um "f...da-se!".


Volta e meia o Opinião era apreendido. Com o Pasquim, a mesma coisa. Mas a minha insignificância era mais corajosa e eu ousava cuspir no olho dos meganhas tentando ir mais além. Não dava. A caneta vermelha era imperativa, degolava e fim de papo. Nunca fui preso, molestado, perseguido porque era fichinha, estafeta das letras miúdas, "hippie de Vaz Lobo" como me chamava o grande e saudoso J.A. Xavier. Em compensação, quando liberado, escrevia sobre tudo, opinava livremente, enchia a bola, baixava o cacete.


Aqui nesta Coluna do LAM, não. Sou auto censurado do princípio ao fim. Acho que 1/1000000 do que realmente penso, acho, procuro, vejo, presumo, não publico porque posso ofender alguém, posso estar politicamente incorreto
demais, posso não estar sendo de bom tom, posso....posso nada.

Nem escrever sobre o nada consegui porque o nada é um conceito subjetivo tão amplo que, muitas vezes, atende a porradas e beijos simultaneamente. Algo como...como...


Um
a mulher com cabeça de peixe.

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