O castigo de Sísifo
Não
tenho vocação para Sísifo e seu castigo, apesar de já ter dito
por aí que o trabalho é a minha razão de viver. Sem exagero. Filei
essa afirmação do lendário jornalista Samuel Wainer, pai de meu
saudoso amigo Samuca, cuja autobiografia se chama “Minha Razão de
Viver” e continua a venda nas boas livrarias. Estou pegando fôlego,
alugando coragem para reler “O Mito de Sísifo”, de Albert Camus
que foi um herói de minha pós-adolescência, se é que isso existe.
Mas coragem não é uma casaca que você entra numa loja e aluga para
usar num batizado, casamento, funeral. Coragem anda por aí.
Estou
assistindo na Netflix a série “Breaking Bad” (não recomendável
para quem procura kkkkkkk) e a partir do quinto episódio comecei a
dar razão ao professor Walter White e a sua opção pelo lado B. Meu
lado B (quem não tem?) já me convidou para assaltos a bancos
estatais e outras barbáries.
Neste
exato momento passo por um abissal conflito. Além de apoiar o
professor Walter White, meu lado B começa a me convencer de que não
há mais nada a perder e que meu erro foi ter revelado outros
impulsos deste mesmo lado B lá pelos anos 1980, 1990. De fato não
há mais nada a perder e, como o castigo de Sísifo, a afirmação
vai e volta, vai e volta.
Levemente
transtornado, saí de manhã para ajustar os óculos, que estavam
escorregando pelo nariz. Fui na rua Gavião Peixoto, em Icaraí, onde
em frente ao número 113 (funcionava uma loja da Ortobom), perto da
Pereira da Silva, numa calçada muito estreita um “morador de rua”
(definição dos politicamente corretos) e seus quatro cachorros
raivosos e imundos decidiram se fixar, obrigando os pedestres a
andarem pela rua. No auge de uma crise, pensando no castigo de
Sísifo, provavelmente de cabeça baixa, não reparei que já estava
chegando bem perto do homem e seus cães. Já ia desviar e andar pela
rua quando o sujeito vociferou “vai pela rua!”. Não prestou.
Em
questão de segundos reações subiram a mente como larva vulcânica:
“vou chutar os cornos desse sujeito”; “que porra é essa de me
mandar andar na rua?”; “pago IPTU e Guarda Municipal não
existe”; “transformar cachorro em mendigo é sacanagem, vou
soltar todos”. E por aí foi até uma senhora se aproximar do
sujeito com um embrulho de comida e farta quantidade de ração para
os cães. Ou seja, a culpa não é do cara mas dessa hipocrisia
pequeno burguesa, etc etc etc.
Fui
em frente lembrando que no horário da manhã meu humor fica
imprestável. Antes do meio dia, vejo uma cena dessas como “um
malandro se aproveitando de cachorros para achacar a multidão”. Já
por volta das 2 ou 3 horas da tarde, pode ser que eu veja a mesma
cena como “cachorros sendo cuidados por um morador de rua, vítima
dessa sociedade desumana e ególatra”.
Enquanto
isso, em “Breaking Bad”….