Celacanto Provoca Maremoto
Celacanto, o grafite
Celacanto, o peixe
Quarenta anos depois, finalmente descobri o mistério
daquele saudoso grafite que tomou conta do Rio, do país, mundo afora. Li, com
satisfação, esse artigo de Cris K que revela o autor da proeza. O colega
jornalista Carlos Alberto Teixeira, o C@l. Em tempo: celacanto existe. É um peixe
que vive nas profundezas abissais. Agora, vamos ao artigo revelador:
Em
1977, um estranho e intrigante grafite começou a aparecer aqui e ali nos muros
de Ipanema, no Rio de Janeiro: CELACANTO PROVOCA MAREMOTO. Com o passar do
tempo, foi pipocando em outros lugares e, do Rio, chegou à América do Norte e
Europa. Mas até hoje seu significado e propósito continuam um mistério.
Entretanto,
tal assunto não será mais um mistério para os nossos leitores. O autor do
CELACANTO PROVOCA MAREMOTO é o jornalista carioca Carlos Alberto Teixeira (C@T).
A
origem de tudo passa pelo seriado chamado National Kid, exibido na década de
60, propaganda dos produtos National, que depois virou Panasonic. Um dos
episódios era sobre os seres abissais, e um deles era o peixe chamado
celacanto.
Num
dado momento, o Dr. Sanada, que era um dos personagens maléficos, dizia:
“CELACANTO PROVOCA MAREMOTO”. E não provocava nada, quem provocava era um
submarino chamado Guilton, que tinha uma boca com uma lâmina dentro, uma viagem
completa.
Este
negócio ficou na cabeça de Carlos até 1977, quando ele bolou no caderno um
grafismo de "CELACANTO PROVOCA MAREMOTO" circundado por uma moldura
com uma seta, que caía em uma gota com dois tracinhos ao lado, mostrando que
ela estava "tremendo":
Aquele
era apenas o início. O próprio Carlos conta como a brincadeira foi crescendo e
como ficou famosa a ponto de aparecer em noticiários da época:
- Um
dia, após a aula, peguei giz e enchi a sala com tal representação. Era na
parede, era no quadro-negro, era no chão, no teto, enfim, enchi a sala de aula
e aquele negócio virou um símbolo. Na época eu tinha 17 anos, e fazia esse
grafismo com giz em tapume de obra, o que gerava um contraste legal do giz
branco com a madeira de coloração escura. Depois, comecei a comprar Pilot
(caneta hidrocor, conhecida como pincel atômico). Ensinei alguns amigos a fazer
a pichação CELACANTO PROVOCA
MAREMOTO, pois havia um estilo que indicava que era eu quem estava
fazendo, e não uma mera cópia (havia gente que copiava e dava para perceber que
não eram da minha linhagem).
O
grande salto foi usar spray e aí começou a se formar uma equipe que chegou a
totalizar 25 pessoas, com gente pichando até em Washington e em Paris. Como era
um trabalho que a gente fazia na madrugada, havia muita pichação na zona sul do
Rio, em Ipanema, Leblon e Copacabana. Por ser uma região de gente muito cabeça,
as pessoas começaram a perguntar: Ah,
Celacanto, o que será isso?
Na
mesma época, havia uma outra pichação, o Lerfá Mu, uma coisa de maconha. Tanto eu quanto esse Lerfá Mu
estudávamos na PUC do Rio, e começamos uma batalha nos banheiros, que ficavam
totalmente rabiscados: eu ofendendo o Lerfá Mu, ele respondendo... Até que um
dia surgiram outros pichadores na área do Jardim Botânico e Leblon lutando
contra o Celacanto e o Lerfá Mu, o que ocasionou uma aliança entre nós dois.
Nos banheiros da PUC marcamos um encontro numa esquina de Copacabana. Para nos
reconhecermos mutuamente, deveríamos ir com um chapéu ou com uma vassoura um
guarda-chuva. Eu fui de chapéu e ele de vassoura guarda-chuva; nos
reconhecemos e nos abraçamos e tal. Há alguns anos, soube que o Guilherme -
autor do Lerfá Mu - faleceu de cirrose hepática.
A
imprensa começou a investigar as pichações, afirmando que o CELACANTO era um
código de encontro entre traficantes, imagina. Outros afirmavam que eram
mensagens de extraterrestres, pois naquele tempo, e até hoje, é difícil
encontrar uma pichação que seja uma frase, e ali havia um período completo,
sujeito, verbo e objeto. Geralmente o cara botava o nome, ou um grafismo só, ou
uma sigla, e essa frase, justamente por ser uma oração completa, despertava a
curiosidade das pessoas.
Com
a intensa especulação dos repórteres sobre "o que será?", "quem
será", o então prefeito da cidade, o falecido Marcos Tamoio, instituiu uma
multa exorbitante para aqueles que fossem apanhados pichando. Os moradores da
Tijuca pegaram um dos pichadores que tinha um dos grafites mais lindos, o Megalodon (com o desenho de um
tubarão), encheram o cara de porrada, deixaram-no de cueca e picharam-no
todinho, largando o rapaz do meio da rua.
Meu
pai trabalhava no Jornal do Brasil, um dos mais importantes do Rio, e uma das
repórteres procurava descobrir que era o Celacanto. Meu pai chegou pra mim e
disse: Carlos, não é uma hora boa
para você aparecer? Aí você passa a ser domínio público, é visto como uma
figura interessante e, quem sabe, escapa dessa multa, caso te peguem numa
dessas aí de noite. Os meus pais sempre foram contra essa história de pichação,
ficavam preocupados, mas eu fazia mesmo, não tinha jeito. Resultado: Topei, a
repórter foi lá em casa, tirou fotos e publicou uma entrevista com meu nome,
idade, o que eu fazia (na época eu cursava Física) e tudo o mais. Então eu saía
na rua e era reconhecido, olha lá
o Celacanto e o meu ego explodia... Pichei mais um tempo e aí fui
diminuindo, pois precisava começar a ter que estudar mais para a faculdade (que
era uma dureza) até que terminei abandonando o grafite.
Uns
dez anos depois, recebi um telefonema:
-
É você o Carlos Alberto Teixeira?
- Sim, sou eu mesmo.
- O autor do Celacanto?
- Exatamente.
- Ah, nós precisamos da sua ajuda.
- O que que foi?
- Precisamos que você faça o grafite de um cenário do programa da Angélica, na
TV Manchete.
- Olha, eu faço, o preço é tanto...
Eu
dei um preço exorbitante, os caras toparam, pedi um monte de material e eles me
pegaram em casa numa tarde de sábado, me levando para uma estação de trem em
Niterói. Ó, é aqui, você pode
pichar à vontade. Fiquei pichando lá até a madrugada, uma beleza, tenho
até fotos disso, e acabei ganhando dinheiro como artista plástico. Tenho o
recibo lá em casa até hoje, "Carlos Alberto Teixeira, artista
plástico", graças ao CELACANTO
PROVOCA MAREMOTO.
Aí
começaram a surgir pessoas dizendo ah,
eu inventei o Celacanto. Eu ficava olhando pra pessoa e dizia
"escuta, inventou nada, quem inventou fui eu", e os caras diziam
"ah, desculpa, eu não sabia". Encontrei uns três caras afirmando que
criaram o Celacanto e eu ia lá para conferir e os desmascarava, já que eles não
tinham argumentos: "criou onde?", "desde quando?",
"onde surgiu?" e ninguém sabia.
Eu
pichava só tapume e parede. Jamais pichei pedra, monumento ou árvore. Eu só
pegava lugares escolhidos a dedo, como na "saída" de curvas, por
exemplo: quando o cara saía da curva de São Conrado, lá na Barra, dava de cara
com uma casa onde tinha a inscrição do Celacanto bem no centro, o que causava
uma impressão boa. Agora, qual o motivo disso aí? No meu caso, eu acho que
sempre tive uma ânsia por comunicação, por passar uma mensagem, e o Celacanto
foi isso, foi algo tão bem feito na época que ficou famoso e não tem ninguém do
pessoal da década de 70, da zona sul do Rio, que não se lembre do
"CELACANTO PROVOCA MAREMOTO".